Após 22 horas
de viagem interruptas estávamos mais uma vez no mundo das grandes paredes! Foram
dias de discussões, troca de e-mails, fotos e
mensagens até estarmos ali com os binóculos nas mãos tentando achar a
melhor linha naquele mar de granito. Quem nos conduziu até ali foi nosso amigo
Roberto Telles, escalador local que gentilmente já tinha feito contato com a
proprietária do sítio e nos levou até 30 minutos da base da parede.
Com a “pseudo”
linha traçada era hora de descarregar o carro e montar nossa nova moradia. Enquanto
o Ed organizava os equipamentos, eu e o
Val fomos montando a barraca, esticando uma lona, organizando as garrafas de
água, comidas e deixando tudo ajeitado, pois o tempo não estava aquela beleza. Enquanto
preparávamos o jantar, mortos de cansado pelas longas horas de estrada,
discutíamos qual seria a melhor estratégia: entrar de mala e cuia com hallbags
e portaledges ou ir conquistando, fixando cordas e descendo para o acampamento
todos os dias. Ficamos um bom tempo ali indecisos, até optarmos por escalar o
primeiro dia, ver a qualidade da rocha e qual seria a melhor forma de encarar
esta parede.
Às 5 da manhã
o despertador insiste em nos dizer que está na hora de começar, acordamos meio
sem querer acordar, tomamos o café e às 6 da manhã já nos dirigíamos para o
nosso destino com 3 mochilas cargueiras cheias de ferros, cordas e boas
intenções. Após uns 40 minutos, dentre estes alguns perdidos por falta de trilha,
estávamos na base da parede! Gritei ansioso, olhando ainda de longe que guiaria
a 1ª cordada, mas só quando cheguei na base da fissura fui ver que aquilo
virava uma chaminé, fenda de corpo, enfim algo meio estranho... me preparo, e
com a caderinha carregada de friends saio negociado o início da nossa empreitada.
Coloco uma peça e já estou dentro da fenda de corpo colocando o Batman para
trabalhar, após muita força saio da fenda como se estivesse virando um teto, a
rocha não é aquela maravilha e as lacas vão se soltando, alguns trechos de
fenda podre, delicado, peças em buracos, mais a escalada flui e consigo
terminar os 60 m
iniciais.
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Willian no final da 1ª cordada |
Com a parada
pronta o Val inicia a 2ª cordada, enquanto isso o Ed vem de expresso jumar trazendo
uma cargueira de 70 L .
A escalada fica mais delicada, mais lacas se soltando e a parada já é um campo minado,
com uma chapa a uns 5 m
da parada e passagens nada óbvias. O Val vai negociando com umas lacas meio
soltas, meio podres, até montar num negativo e chegar uma fenda boa a qual o
leva até um gigante off width, após muita luta, suor e algumas quedas o
restante da cordada é um desfrute, enquanto ele se organiza pra montar a
parada, somos pegos por uma tempestade, muita água, vento e em minutos a parede
já tem até cachoeiras, arrumamos tudo e descemos para o acampamento.
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Val no crux da 2ª cordada |
Após este dia
decidimos que devido as chaminés, fendas de corpo, alguns trechos de rochas
podre, iríamos trabalhar com cordas fixas no lugar de entrar com portaledges, e
que dessa forma poderíamos depois de conquistar, repetir os esticões para ver
como ficaram, encadenar e capturar mais vídeos e fotos.
Novo dia e
4h30 da manhã já estamos de pé ajeitando as coisas e saindo antes do sol
nascer. Jumareamos 120 m
com as cargueiras para fazer a digestão do café da manhã e o Ed se ajeita pra
começar o terceiro esticão. Estamos na base da chaminé, a mesma que se via do
nosso acampamento, a rocha é sólida e os lances fáceis fazem o Ed ir sumindo do
visual, e quando o Val chega a cordada já está quase acabando, grito que falta
menos de 5 m
e que prontamente me responde que vai fazer a parada num platô.
Mais tarde vimos
que não era bem um platô, mas cabia metade dos pés e para minha tristeza o
quarto esticão me pertence e a fenda sumiu, só o que consigo é ver uma placa
lisa com cristais até onde posso enxergar. Saio em livre, volto pro artificial,
bato proteções, passo magnésio, coloco o estribo, como sofro nessas aderências! E
a partir daí ainda surge uma águia chilena, que de vez em quando dá uns
rasantes quase me matando do coração, consigo passar a parte mais vertical, e a
partir daí consigo fazer render e só paro 60 m depois num platô gigante, este sim um 5
estrelas. Já estamos no fim da tarde, o Val vem rápido e inicia o quinto
esticão em uma canaleta com uma fenda dentro, que alegria! A escalada vai
rendendo, a fenda acaba, passa um lance delicado, ele bate uma chapa, e a águia
sempre o acompanhando e dando rasantes, e ao escurecer bate a parada. Nesse
meio tempo cogitamos com o Ed de bivacar nesse platô, mas as nuvens carregadas
e os primeiros pingos nos fazem descer para o acampamento.
Ed no esticão da 6ª cordada |
A noite é só
alegria, após um bom dia de trabalho jantamos uma bela macarronada, um bom
vinho espanhol e som de viola do nosso amigo Ed, tudo perfeito. Acordamos as 5
da manhã com uma fina garoa e o dia fechado, resolvemos assim nos dar um dia de
folga para repor as energias, e o que escalador faz no dia de folga? Pegamos o
carro e junto com o Roberto Telles fomos conhecer as montanhas da região, é
pedra que não acaba mais! E após um longo dia voltamos recarregados e decididos
em acabar o trabalho, com a idéia de bivacar no platô e só descer com a via
terminada.
Acordamos as
4h30 e após um café rápido, mochilas prontas, rumamos mais uma vez pra parede.
Após um longo jumareio estou com o Ed no final do quinto esticão, a serração
toma conta de nós, e aquilo vira uma garoa e para minha alegria descubro que o
Ed está com o meu anorak, como é bom se sentir aquecido novamente e enquanto o
Val está chegando no final do quarto esticão com a cargueira a chuva já esta
grossa, e eu e o Ed estamos rapelando pra se enfiar num buraco que existia a
esquerda do platô. Quando chegamos o Val já esta com a casa montada: lona
esticada no buraco e então nos amontoamos os três naquele buraco à 300m do
chão, um olhando pra cara do outro. Digo que não vou descer pois não quero
jumarear de novo, calculamos que temos comida pra dois dias, e tinha que ver a
cara de triste do Val quando soube que eu e o Ed tiramos o pão, salame e queijo
por causa do peso. Para minha alegria o celular resolve funcionar ali e consigo
ver a previsão do tempo que diz que as 9h da manhã só vai ficar nublado e a tarde teria sol, era
umas 7 da manhã, será possível? Sim, era verdade: o tempo foi melhorando e o
vento forte que começou soprar começou a secar a parede, aproveitamos pra comer
e beber bem, e lá pelas 9h30 o Ed iniciava o sexto esticão, por agarras e às
vezes por uma aresta da canaleta a sua esquerda, mesclando chapas e móveis,
saindo uma cordada linda e estética, terminando 60 m depois num platô. Vamos
para cima novamente, que chegou minha vez de guiar, me ajeito e entre sair por
agarras reto para cima opto em pegar uma fenda diagonal a esquerda, fácil e com
peças boas. Mas o que é bom dura pouco, começo sentir o cheiro do cume mas quem
disse que ele iria se dar assim tão fácil? Novamente lá estou eu numa placa
lisa de cristais, bailando com estribos, cliffs, fazendo lances em livre, pisando
na chapa pra ficar mais alto... enfim vale tudo nessas horas. Por último bato
uma chapa, saio em livre, domino uns caraguatás e a parede deita, foi só correr
para o cume, grito para meus parceiros, bato a parada e é só esperar pra
comemorarmos. Tiramos fotos, tomamos um suco, biscoitos, e resolvemos descer
tentando encadenar as cordadas e fazer fotos e vídeos, pois ainda eram uma da
tarde.
Rapelo com o
Val, o Ed nos solta a corda e fica lá encima para filmar, então o Val reinicia
aquela cordada que eu acabava de ter conquistado. Vai sem problemas pela fenda,
entra nos cristais e consegue fazer tranquilamente todos os lances em livre,
encadenando assim essa cordada.
Agora é a vez
do Ed tentar encadenar a penúltima cordada e eu ficar filmando, também libero a
corda para eles e fico só de cima observando o balé do Ed entre bromélias e
pequenos cristais, escala com maestria e encadena a cordada com um esticão no
final que até eu fico tenso. Uhuh, mais uma! E assim vamos descendo, levando
todo nosso material de conquista e repetindo as cordadas, quando já a noitinha
deixamos as duas cordadas iniciais para o outro dia. Chegamos acabados no
acampamento às 20h porém mais felizes do que nunca, fizemos umas mini pizzas e
tomamos um vinho pra comemorar.
Acordamos
cansados por volta das 8h da manhã, e após um farto café, ficamos ali olhando a
parede e esperando a boa vontade de ir lá fazer as duas cordadas iniciais. O dia estava lindo e quente e já
sentíamos o cansaço dos dias anteriores, subimos por volta das 13 horas até a
base, tomamos um suco e entramos num consenso do que levar pra repetir as duas
cordadas. Me arrumei e saí com 2 jogos de camalots do .3 ao 6, literalmente
pronto pra guerra, o calor tava de matar, fritando os pés, suando sem parar, e
lá fui eu negociando aquela cordada novamente e já sabendo os venenos que iria
passar. Isso é bom e ruim, acho que foi quase uma hora pra tentar encadenar
essa cordada, enquanto do lado o Ed só assistia e filmava minha gemeção,
cheguei na parada sem nada, não sobrou nem o cordelete e o mosquete de rosca,
que larguei em algum bico para refrescar a mente, ufa!Minha parte estava
pronta. O Val veio limpando e se arrumando pra derradeira cordada, só faltava
aquela pra cadena, e como o Val mesmo disse já tenso, não tava com vontade de
repetir mais de uma vez.
Saiu bailando,
carregado até os dentes enquanto eu e o Ed só assistíamos na arquibancada,
passou bem a primeira parte, protegeu na base da fenda boa e esticou até a base
do off width, até eu e o Ed já estávamos tenso, protegeu e começou o show: geme
daqui, reclama dali, não consigo descansar, faz muita força e enfim passa extenuado
a pior parte e literalmente sem forças se arrasta até o final da cordada já no
por do sol. Enfim armamos os rapéis, limpamos tudo e descemos pela última vez
da parede com a sensação de dever comprido. Descemos sem pressa pela trilha, só
lembrando dos momentos, dos perrengues, então era só jantar, separar toda a
tralha e pegar a estrada novamente, desta vez rumo a nossa casa.
Traçado da via e material utilizado |
O nome da via deu-se pela
majestosa e linda águia chilena que nos acompanhou nos dias de parede e que por
muitas vezes nos assustou com seus vôos rasantes e intimadores.
Fica aqui o meu
agradecimento ao Roberto Telles, por sua amizade, hospitalidade e apoio na
cidade.
Águia Chilena |
Agradeço
especialmente a Conquista Montanhismo por todo o patrocínio de
equipamentos, roupas técnicas e
materiais utilizados na nossa empreitada, viabilizando assim nossa viagem até a
cidade de Afonso Cláudio no Espírito Santo.
Bons ventos, e
boas escaladas a todos
Willian
Lacerda.
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